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"Entre Facas e Segredos" revigora os filmes de mistério, com uma trama que subverte os paradigmas do gênero e elenco espetacular.

“Entre Facas e Segredos” revigora os filmes de mistério, com uma trama que subverte os paradigmas do gênero e elenco espetacular.


Hoje, é algo realmente raro entrar em uma sala de cinema para assistir um filme completamente original. Em um contexto onde adaptações, remakes, sequels e prequels dominam o mercado, a simples experiência de assistir um filme com história original já é algo especial por si só, pois nos tira de nossas zonas de conforto como espectadores. E estar fora da zona de conforto em uma sala de exibição é, pra mim, uma das grandes graças que o Cinema e Entre Facas e Segredos, nos proporciona.

Tendemos a crer que estar fora da zona de conforto é algo negativo, mas muito pelo contrário, é diante de uma situação como esta que redobramos nossa atenção e todos os sentidos ficam mais aguçados. Cabe ao filme saber aproveitar dessa vulnerabilidade para nos deixar inquietos em nossas cadeiras, roendo unhas e vidrados em pura empolgação com a história que se desenrola.

Com isso em mente, posso afirmar tranquilamente que a experiência com Entre Facas e Segredos cumpre essa tarefa com excelência. Aqui, o diretor e roteirista Rian Johnson, de Star Wars: Os Últimos Jedi (2017) e Looper: Assassinos do Futuro (2012), se diverte plenamente dentro de um gênero pouco explorado nas tramas contemporâneas. Os “Whodunnit” ou, simplesmente, “Quem matou?” são filmes que narram um crime misterioso através do ponto de vista de vários personagens.

Em Entre Facas e Segredos, um grupo de detetives investiga a repentina e misteriosa morte do lendário escritor Harlan Thrombey (Christopher Plummer) após uma reunião entre os membros de sua família. Existem, primordialmente, dois pontos fortíssimos no filme de Johnson que transformam essa produção em algo único.

Primeiro, o elenco espetacular que conta com grandes nomes é utilizado da melhor maneira possível. Cada grupo de familiares representa um núcleo bem explorado pela história de modo que passemos a ter mais e mais motivos para suspeitar deles em relação a questões não resolvidas com Harlan. E a medida que a trama se desenvolve, passamos a vê-los mais como seres humanos reais do que como caricaturas pitorescas de facetas encontradas na sociedade. Ainda que alguns realmente apresentem facetas de nossa sociedade que realmente pareçam caricaturas pitorescas, como um garoto troll de internet e membro atuante da alt right norte americana.

Na verdade, é até um paralelo meio assustador que Johnson consegue fazer, de maneira ácida e bem humorada. Não é difícil notar a semelhança entre nossos próprios grupos de família e os sujeitos complexos e problemáticos da família Thrombey. Dentre os membros que mais chamam atenção, estão os filhos de Harlan, Linda Drysdale (Jamie Lee Curtis) e Walt Thrombey (Michael Shannon), o neto Ransom Drysdale (Chris Evans) e a nora Joni Thrombey (Toni Collette). Todos muito bem apresentados dentro da trama. Seja durante uma interrogação ou pelo simples ato de chegar em um lugar, Johnson consegue preencher suas personas com nuances e trejeitos bem característicos. Tudo através de diálogos bem escritos e uma direção de elenco singular.

O núcleo policial é liderado pelo excêntrico detetive particular Benoit Blanc (Daniel Craig, em uma de suas melhores atuações), e o sempre sério e profissional Tenente Elliot (LaKeith Stanfield). Descobrimos que o primeiro, sempre em busca de brechas e cheio de suspeitas, tem alguma fama no ramo, pois Joni menciona, durante a interrogação, ter lido um tweet sobre seu perfil na “The New Yorker”. Mas a forma como ele conduz a investigação, um tanto cômica e atípica, nos faz duvidar de suas capacidades.

Por fim, Ana de Armas interpreta Marta Cabrera a enfermeira e cuidadora de Harlan. Humilde e carinhosa no que faz, Marta conta com uma peculiaridade explorada de maneira precisa durante a trama: ao mentir, ela sente ânsia de vômito. Além disso, é a personagem de Armas quem carrega grande parte do peso dramático do filme e por isso, a atriz é bastante exigida. Grata surpresa por aqui, anseio por acompanhar os próximos trabalhos da atriz.

O outro ponto forte tem muito a ver sobre como a direção, sempre aliada à cinematografia de Steve Yedlin e a edição de Bob Ducsay, colaboradores frequentes de Johnson, consegue criar e aliviar tensão, pontuar sentimentos dos personagens e nos deixar completamente intrigados com o que vemos na tela. Destaco, como exemplo, uma cena em que Marta sai da casa ao receber uma grande notícia e a câmera, estática, nos permite observar sua confusão. À medida que outros personagens também saem da casa para conversar com ela, a câmera passa a se mover sutilmente demonstrando a euforia que se aproximava.

É até possível dizer que alguns excessos são cometidos na escrita de Johnson. No entanto, acredito que sua abordagem é eficiente pois contribui para transformar e destacar os personagens de acordo com as demandas da narrativa. Afinal, o objetivo desse tipo de filme é fazer com que você suspeite de todos até o momento da revelação final. E, em função disso, é necessário fazer algumas exposições aqui e acolá.

Vou ainda mais além ao dizer que esses excessos, que estão mais no âmbito da contextualização e da caracterização de alguns personagens, são fundamentais para legitimar o tratamento modernizado de um gênero que sempre se ambientou no charme e nas idealizações clichês dos filmes de mistério dos anos 50 e 60. O que intensifica ainda mais o justo rótulo de “autor” que costumam atribuir a Rian Johnson. Como em seus outros filmes, há, também, uma subversão de paradigmas que só contribuem para transformar Entre Facas e Segredos em uma contribuição ao cinema, realmente atemporal e necessária.

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