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Os recursos visuais de um trabalho de design de produção em uma obra audiovisual grande importância para dar estofo as narrativas criadas.

A essa altura, já estamos todos familiarizados com o papel do design de produção em um filme por aqui (espero eu). Sabemos que a direção de arte é aquilo que dá tridimensionalidade ao roteiro e à visão da direção. Gosto de pensar o papel da arte como aqueles livros infantis que quando abrimos uma página, revelam-se objetos em 3D feitos de papel para ilustrar ainda melhor aquela narrativa. Em um produto audiovisual, funciona basicamente da mesma forma – o design de produção ergue o enredo, cria volume e, dessa forma, é capaz de ambientar o universo em que aquela história se passa.

Essa construção efêmera de um espaço precisa ser eficiente não só para trazer à vida a energia do roteiro mas também para adicionar mais camadas de sentidos e significados para o filme, enriquecendo o conteúdo da narrativa e fazendo com que o espectador se sinta ainda mais imerso naquele universo. Para isso, utilizamos os chamados recursos visuais que, em suma, são os elementos que compõem um projeto completo de design de produção.

Explicar cada um deles deixaria esse texto muito similar a um trabalho de conclusão de curso. Portanto escolhi falar de três elementos fundamentais: estilo, símbolos e cores. Para trazer referências visuais mais claras, utilizarei exemplos do cinema e outros que me sinto confortável para afirmar fatos a respeito das escolhas dos recursos visuais (estética) – já que fui eu quem fiz. 🙂 (#contrate)

 

ESTILO

O estilo pode ser a criação de uma unidade estética que seja referente, por exemplo, à uma década específica. Esse é um dos recursos visuais que ajuda a situar o espectador, criando o contexto em que a história se passa. A gente não precisaria de informações sobre o tempo em que The Great Gatsby (2013) é situado porque a direção de arte deixa claro que se trata de uma narrativa ambientada nos anos 20.

Imagem promocional de “O Grande Gatsby”

Na mesma linha de raciocínio, também não é necessário indicar em qual década Era Uma Vez… Em Hollywood (2019) se passa – todos os carros, fachadas de lojas, figurino e texturas nos contam que estamos diante de uma história que acontece no final dos anos 60.

Além disso, estilo também pode se referir aos recursos visuais específicos de um diretor. Não existe exemplo melhor do que o cinema de Wes Anderson. Em O Grande Hotel Budapeste (2014), o enredo se passa na década de 30 com uma visão absolutamente particular do período histórico.

Apesar de algumas referências arquitetônicas e simbólicas serem bem fiéis, o estilo do filme é quase uma caricatura lúdica dos anos 30 e essa visão de mundo peculiar é um dos elementos mais marcantes da autoria do diretor. Isso que te fazer bater o olho em um frame e conseguir imediatamente identificá-lo como parte do filme de alguém, é estilo.

Pegando o gancho, trago aqui o videoclipe de I Can’t Get Over You, música do KVSH em parceria com The Otherz e FROEDE. O diretor queria que o visual do clipe lembrasse a estética característica de Wes Anderson (prato cheio para a fã aqui). Para otimizar o processo (que foi todo executado em um período muito curto de tempo), escolhemos estilizar o ambiente nos orientando por uma linha de recursos visuais vintage – principalmente, anos 70.

Você pode perceber na foto que o telefone é um Ericofon, aparelho com design super popular na década de 70.

Adesivamos o espaço com esse padrão setentista, com tons caqui, laranja e marrom (sim, isso é tudo adesivo!), que ajudaram a amarrar uma paleta de cores concisa e com pouca variação de tons, assim como os filmes de Anderson.

O figurino também tem uma pegada retrô da década em questão e até mesmo os cartazes anunciando a novidade (ração com o nome da música) segue um design gráfico vintage. Assim, conseguimos criar uma atmosfera concisa, harmoniosa e, principalmente, estilizada. Você pode assistir ao clipe completo aqui embaixo.

 

SÍMBOLOS

Símbolo é uma ideia abstrata – ele se refere ao objeto denotado por associação de ideias produzidas por uma convenção (e, no caso de um filme, essa convenção pode ser criada dentro da própria narrativa). Papo de semiótica não dá para alongar muito porque acaba sempre em um lugar muito filosófico e, muitas vezes, confuso.

Os símbolos, portanto, podem aparecer de algumas formas em um produto audiovisual – pode ser através da atribuição de significados a objetos (que se tornam, por sua vez, símbolos). Um exemplo disso são as laranjas em Breaking Bad – sempre que surge a sensação de perigo iminente na série, laranjas rolam no chão ou são enquadradas em cena (essa, na verdade, não é uma ideia original – é uma referência a trilogia de O Poderoso Chefão, que também usa laranjas da mesma forma).

Pode parecer uma escolha arbitrária mas, quando o assunto é cinema, nada é gratuito – o laranja, na psicologia das cores, carrega o sentido de alerta, chama atenção para o perigo (cones de trânsito estão aí que não me deixam mentir).

Símbolos também podem ser, literalmente, símbolos inseridos na estética da imagem que carregam algum significado, como por exemplo em Os Infiltrados (2006), que sempre que há um “x” em cena, é sinal de que alguém vai morrer – é como se fosse um alvo sendo marcado.

Aplicando essas ideias em meu trabalho, trago aqui o clipe de Morada, de Ben Roots, que é cheio de significados – para a narrativa e para mim. Esse foi meu primeiro projeto de arte para uma produção, tem um valor afetivo muito grande na minha vida. A música fala sobre um amor que não sobreviveu ao tempo e tem uma forte relação com as estações do ano.

Na cena acima, vemos a silhueta de um homem com projeções, sentado à mesa, fazendo uma refeição. Esse é um momento do roteiro em que ele ainda está frustrado e com dificuldade de superar a situação. Para demonstrar a prisão que o tempo simboliza para o personagem nesse momento, quis representar na mesa todas as estações do ano – as frutas e o arranjo floral simbolizam o verão, as pétalas de rosa são a primavera, as folhas secas, o outono e a taça de vinho preenchida por fios de lã, simboliza o inverno.

No começo do clipe, há um plano detalhe de livros na estante – todos estão com a lombada virada de cabeça para baixo, representando o estado de espírito do personagem, que estava se sentindo confuso e perdido. Você pode conferir o vídeo completo abaixo:

 

CORES

Em design de produção, cor é tudo. Se você lê essa coluna com alguma frequência, muito provavelmente já está cansado de saber como as cores podem atribuir mais profundidade à narrativa através de seus significados. No entanto, para além da poesia delas, existe também a utilização técnica de tons para determinar o “humor” de um produto audiovisual (se é introspectivo, se é alegre, se é engraçado, se é melancólico), sem falar no claro apelo estético que uma boa paleta de cores pode criar nesse emaranhado de recursos visuais. Muitas vezes, são elas as maiores responsáveis por contar a história invisível – aquela que não está exatamente escrita no roteiro.

Imagem promocional de “Tudo Sobre Minha Mãe”

Em Tudo Sobre Minha Mãe (1999), já seria possível sacar a energia da atmosfera do filme só analisando a paleta de cores. Antxón Gómez, grande parceiro de Almodóvar, ao utilizar massivamente a combinação tríade de cores (se você inserir a forma de um triângulo dentro do círculo cromático, a tríade é formada pelas cores que estão posicionadas nos vértices dele), cria instantaneamente uma atmosfera confusa, intensa, volátil e histérica.

Na vida real, trago o exemplo de um trabalho em que o projeto de arte foi construído quase que inteiramente com base em cores. No clipe de Corrente do Bem, música de Clara x Sofia em parceria com Rogério Flausino, o diretor orientou para que o vídeo traduzisse a ideia presente na música de união por um bem comum.

Assim, o roteiro se desenvolve em duas esferas – a micro, considerando a própria execução da produção como um universo colaborativo, numa espécie de metalinguagem visual e a macro, que é a nossa união enquanto seres humanos para cuidarmos do planeta. A primeira seria facilmente representada por imagens literais de membros da equipe trabalhando em conjunto – mas, e a segunda?

Foi aí que pensamos em representar o planeta através dos 4 elementos – terra, fogo, água e ar. A ideia era criar espaços que fossem referências abstratas a esses elementos e as cores foram o principal recurso para garantir a execução funcional desse conceito.

O fogo foi representado pelo vermelho e azul real – as cores da chama. O ar, pelo azul do céu e pelo figurino das cantoras, que é amarelo como símbolo do Sol – além disso, temos balões coloridos e todos esses elementos juntos têm o intuito de trazer uma ideia de unidade do Universo. A água foi representada pelo marrom e lilás – a ideia era criar um contraste entre o seco e o molhado. A água, em conhecimentos como a Astrologia, é o elemento que rege nossas emoções e o aprofundamento nelas é que nos leva à conexão com nossa verdadeira essência. Escolhi o lilás para representar a água por ser o tom da espiritualidade, do nosso encontro com nós mesmos a partir da imersão nos sentimentos. Por fim, a terra foi representada por verde, rosa e laranja.

Com um cenário que ambienta um ateliê a céu aberto, tive a intenção de demonstrar a ideia de que o equilíbrio inexplicavelmente perfeito da natureza é a forma mais pura de manifestação de arte no mundo. As cantoras vestem um figurino com forte presença de cores vivas porque é como se elas fossem as tintas naquele espaço de criação, à disposição para colorir o mundo. Fora que verde, rosa e laranja é uma combinação belíssima de tons.

 

Se você, guerreira ou guerreiro, chegou até aqui, muito obrigada pela sua companhia! Espero que esse texto tenha feito você aprender uma coisa ou outra sobre o uso desses recursos visuais em um projeto audiovisual e como eles podem acrescentar camadas de profundidade e enriquecer ainda mais o filme. Existem ainda vários outros elementos que fazem parte de um projeto estético – quem sabe não vira pauta para outra hora?

Vejo vocês em 15 dias. Até lá!

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