fbpx
Na postagem da coluna, Giulio Bonanno discute o efeito transcendental da arte, seja ele criado pelo artista ou ressignificado por quem a vê.

Durante a análise de uma obra, a intenção do autor é o que mais importa? Sim e não.

Como assim? O autor não é quem tem a palavra final? Não parte dele a vontade divina de dizer qual o significado de suas invenções? Diálogos, personagens, cenários e situações são produtos da sua cabeça e de ninguém mais, certo? Se ele não tem esse poder, quem teria?

Pessoal, confesso que a resposta poderia ser mais simples. Vou tentar dissertar algo aqui…

O tal poder é compartilhado. É, sim, do autor, mas também é nosso. Advém das gerações presentes e futuras que se identificam no papel de receptor. Portanto, se temos esse poder, também temos certa responsabilidade (rs). Somos espelhos de contextos e conjunturas. É inevitável, portanto, dar uma interpretação que fuja de nossas experiências, de nosso aprendizado vigente.

Justamente como o autor, compartilhamos de igual efemeridade. Durante a escrita, sua mente constituíra fervorosa espuma criativa com emulsificação oriunda de lições em tempos pretéritos. Em outras palavras, o artista está limitado àquilo que viveu. Diferente de sua arte, porém.

Dizem por aí né: a arte transcende.

Exposição de obras de Dalí

Gosto de refletir sobre isso porque valorizo o poder de uma interpretação. Compreendo que o papel do interlocutor, quando assumido de boa vontade, eleva-se quase que ao nível de coautor. Escolha uma pintura: CaravaggioDaliPortinari. Ouse alguns significados. Agora, coloque isso no papel (ou numa conversa de WhatsApp). As pontes entre a sua vivência e as desses artistas foram estabelecidas com sucesso. Você carrega um pedacinho do legado desses caras. Um pouco de técnica e inspiração, com pitadas de outros legados carregados no bolso, e voilá: és um autor também. E se todo mundo fizesse isso? Sete bilhões e uns quebrados de autores…

Nascemos com um enorme potencial. Ao longo da vida, corremos o risco de perdê-lo. A indiferença, o cinismo e as desilusões que cicatrizam nossa alma corroem o tato artístico. Sustentar isso uma vida inteira é coisa de gente forte, batalhadora. É quase uma bobagem né? Mas ó, não conta pra ninguém não: tem gente que ficou rica assim! Bobagem rentável já é outra coisa. Enfim, analisar uma obra é também um exercício de autoconhecimento, quase uma sessão psicanalítica. A diferença é que você (muitas vezes) não paga e o seu analista pode ser, sei lá, o Tarantino!

Brincadeiras a parte, Quentin Tarantino é um bom exemplo para discutir aqui. O cara consumia filmes que nem um lunático desenfreado. Referências ao cinema europeu e asiático aparecem de sobra nos filmes dele, que não perde uma oportunidade para homenagear grandes nomes do passado. Em uma análise fria, seus trabalhos são sobre o amor de um sujeito pelo cinema e nada mais.

O que não exclui as exclamações pró-feministas de Jackie Brown, Kill Bill e À Prova de Morte, ou as delicadas questões raciais tratadas em Django Livre e Os Oito Odiados. Acepções de uma geração servindo como reflexos de seu tempo. Inferências futuras do autor deveriam importar tanto (ou até menos) quanto um ensaio sociológico feito — com o devido embasamento — por um cientista.

“Os Oito Odiados”

Interpretações podem ser distintas. No final das contas, tudo não passa de opinião, com umas, é claro, mais bem sustentadas do que outras. Não tem nada a ver com mérito.

Tampouco com intenção.

Compartilhe

Twitter
Facebook
WhatsApp
Telegram
LinkedIn
Pocket
relacionados

outras matérias da revista

Na Mise-en-Scène
Raquel Almeida

Na Mise-en-Scène / “A direção de arte em ‘Homecoming'”

Este foi um ano em que me dediquei muito a consumir produtos feitos para televisão. Não estou nada em dia com os lançamentos do cinema, mas as séries de 2018 estão devidamente contempladas. No entanto, eventualmente, bons seriados (desses inacreditáveis de maravilhosos, que até lembram o cinema autoral, com detalhes e recursos de linguagem muito bem pensados) se esgotam e eu estava em um estado de completo abandono. Aí, rolando o Twitter, vi uma crítica com a seguinte chamada: “Pare o que você está fazendo e vá assistir Homecoming“. E assim fiz. Finalmente chegou o dia em que gastarei toda

Leia a matéria »
Back To Top