fbpx
"Um Corpo Que Cai" é uma obra prima de Alfred Hitchcock que conduz o espectador por uma jornada sensorial com a linguagem cinematográfica.

Dizer que Um Corpo que Cai é um filme a frente de seu tempo não seria injustiça alguma. A fraca recepção entre a crítica nos Estados Unidos e a bilheteria baixa para uma obra de Alfred Hitchcock, que já havia conquistado um certo prestígio, são indicadores de que as inovações técnicas e o esmero do diretor para trabalhar a linguagem neste filme superavam a capacidade de processamento do público à época. O fato é que Um Corpo Que Cai foi ressignificado e revisto com o passar do tempo, sendo apontado com justiça como um dos melhores filmes de Hitchcock e um dos maiores da história do Cinema.

O longa é também uma investida experimental de Hitchcock, que usa de novas abordagens com a linguagem para perturbar o espectador e levá-lo a um transe sensorial pautado no impacto imagético. Logo na abertura, somos apresentados a essa proposta de inquietação sensorial. Os créditos inicias criados pelo designer gráfico Saul Bass recriam a sensação incômoda de vertigem em um jogo magistral de sobreposição de imagens e elipses que confundem o olhar humano e levam ao desconforto.

Daí em diante, acompanhamos o policial Scottie Ferguson (James Stewart), que durante uma perseguição acaba causando a morte de um colega devido a sua inédita descoberta de medo de altura. Passado algum tempo, Scottie é contratado como detetive para investigar Madeleine Elster (Kim Novak), esposa de um amigo que acredita que sua amada está possuída por um espírito feminino que a tem levado a manter uma relação adúltera. Ao pegar o caso, Scottie adentra numa interminável espiral de insanidade que o faz confrontar sentimentos afetivos íntimos, seus desejos e projeções que os alimentam.

Há um jogo de manipulação por meio das subversões narrativas e das diversas nuances que os personagens e situações apresentadas revelam durante a projeção. É interessante como Hitchcock opta por uma constante mudança de caminhos, tanto em prol de um suspense causado pelo desarme do espectador atento à trama, quanto na abordagem experimental da linguagem em busca de uma provocação sensorial – sem, em momento algum, de abdicar do seu formalismo com a encenação.

A articulação entre uma narrativa de investigação e mistério junto de um estímulo visual e sonoro provocante insere o espectador na cabeça de Scottie. Assim, cria-se um jogo de possibilidades interpretativas quanto aos sentimentos envoltos à projeção: a obsessão, a paixão, o delírio e o medo.

A atuação de James Stewart, que já havia trabalhado outras vezes com o diretor, contribui para a criação de um protagonista dúbio que, assim como o espectador, passa a se questionar. Scottie é o personagem mais trágico de Hitchcock e, ao longo da narrativa, ele nutre um sentimento de culpa profundo que traz uma melancolia latente à sua jornada. Por outro lado, Kim Novak adiciona mais peso a todo jogo de subversão e percepção de Um Corpo Que Cai, em uma atuação que varia entre uma inexpressiva vulnerabilidade e uma presença forte, sensual e inquietante. A atriz tem muito mérito em conseguir criar com profundidade e realismo as diferenças necessárias para um dos principais pontos da trama.

Desta forma, ele trabalha os cenários e figurinos fazendo parte do jogo de cores que traduz o transe psicológico de cada personagem em determinadas passagens do longa; ao mesmo tempo, a trilha sonora de Bernard Herrmann corrobora para que sequências cruciais da trama tenham os sentimentos de obsessão, paixão, fascínio e desespero, uma forte relação catártica com o espectador. E, novamente, Hitchcock se sustenta na posição de orquestrador de uma jornada de ilusão, surpreendendo com o enredo na mesma medida que impacta visualmente.

Ao falar da veia experimental, é necessário apontar a genial criação do contra zoom, técnica que combina o movimento da câmera para frente com um zoom para trás (ou o contrário), dando a impressão de deformação e alongamento do espaço que, aqui, é utilizada para tornar cinematográfico o incômodo provocado pela vertigem. Tal inovação, por mais interessante que seja, é “apenas mais uma” das investidas experimentas e técnicas que o gênio Alfred Hitchcock propôs em seus anos de carreira.

Sobretudo, Um Corpo que Cai tem uma certa intimidade com seu realizador, que brilhante como foi é também sempre lembrado por seu comportamento difícil. Temos um filme de forte traço autoral, de uma encenação que – por meio da linguagem cinematográfica – busca um impacto visual e psicológico carregado dos sentimentos que mais parecem interessar à Hitchcock na sua própria relação com o cinema: a paixão e a obsessão como dois lados de uma moeda.

ASSISTA
Um Corpo Que Cai está disponível no TELECINEPlay

Compartilhe

Twitter
Facebook
WhatsApp
Telegram
LinkedIn
Pocket
relacionados

outras matérias da revista

Back To Top